Colocar limites:
CONTRARIAR FAZ PARTE DO PROCESSO DE EDUCAR
Uma mãe aproveitou um encontro casual que teve comigo para fazer uma reclamação: ela diz que gosta muito de refletir sobre a educação que pratica com seus filhos, usando os assuntos propostos em nossas conversas, mas que gostaria muito mais se eu desse uma amenizada no papel e na responsabilidade dos pais. “Por que somos só nós, os pais, que devemos dizer ao filho que ele não pode isso ou aquilo de que ele gosta ou que quer tanto ou que ele precisa fazer isso ou aquilo, mesmo contrariado?” Essa pergunta expressa o mal-estar que a tarefa de educar provoca e que é compartilhado por muitos pais e professores.
Acontece que os educadores são porta-vozes de más notícias para crianças e adolescentes, filhos e alunos: que eles não são o centro do mundo, que conviver com um grupo limita o modo de viver e de estar no mundo, que não é possível fazer apenas aquilo de que se gosta, que muitas vezes é preciso esperar para conseguir o que se almeja ou sonha e também batalhar para isso, que é preciso concentração e perseverança para estudar, que a maioria das coisas se consegue com muito esforço e dedicação, que escolher pressupõe perder, que encarar frustrações é preciso etc. Os pais e os professores são uma espécie de estraga-prazeres na vida de seus filhos e alunos. Claro que o papel do educador não é apenas esse, mas inclui essas tarefas, já que o educador representa a cultura e a civilização para as novas gerações.
Tem sido bem difícil arcar com essa parte, não é verdade? Por quê? Talvez porque o adulto não esteja tão convencido assim de que esse caminho é inevitável, já que o modo de viver atual é uma busca incessante de prazer e de bem-estar. Ora, se o adulto pensa assim, como atrapalhar a vida dos filhos e alunos?
Acontece que pais e professores que evitam contrariar filhos e alunos o quanto podem sempre terminam por esbarrar nas conseqüências que, em geral, essa atitude provoca: torna-se mais e mais difícil conviver com filhos e alunos, as birras e as transgressões beiram o insuportável, e os deveres mínimos não são cumpridos. É nesse momento que muitos pais ou professores simplesmente desistem de sua tarefa: entregam tudo ao deus-dará.
Para evitar esse impasse, muitas famílias têm-se unido às escolas, constituindo o que eles chamam de parceria, cujo objetivo é “falar a mesma língua” com a criança. Na realidade, essa parceria com tal finalidade é um instrumento – muitas vezes eficaz – para que os educadores sustentem sua posição de estraga-prazeres com mais firmeza.
O funcionamento é simples: “Já que temos de dar as más notícias, vamos todos falar juntos; assim ficamos mais fortes, e a criança e o adolescente não têm saída”. Pode ser eficaz, mas submete filhos e alunos a um mesmo tipo de discurso e, portanto, eles ficam sem escolha. Já deu para perceber que isso, sim, é que é autoritário, não deu?
Os educadores precisam ter uma meta clara que justifique a ação que tantas vezes provoca descontentamento e/ou desconforto da parte de quem está sendo educado. Mas é justamente isso que é difícil hoje: como sustentar a idéia de que a vida em grupo, mesmo restringindo a vida pessoal, tem seus benefícios em tempos de individualismo exacerbado e dificuldade de convivência no espaço público? Como garantir que, aprendendo a viver assim, o futuro poderá ser melhor?
É nessa hora que o educador precisa ter a convicção de que esse mundo pode mudar e melhorar e que cabe à nova geração protagonizar pelo menos o início dessa mudança. Uma amiga educadora chama isso de pedagogia da esperança. Muito bem nomeado, já que quem educa sempre tem esse anseio, mesmo que esquecido.
Voltando à reclamação da leitora: não dá para subtrair do papel educativo de pais e professores essa parte chata de interação com filhos e alunos. Mas dá um novo colorido quando pensado desse modo, não dá?